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Além de proteger a biodiversidade e dar mais qualidade ao chocolate, métodos agroflorestais e mais sustentáveis também impactam positivamente os produtores

 

Por Giuliana Capello, via Yam

 

O cacau é nativo das florestas amazônicas e já era cultivado por povos indígenas antes da chegada dos colonizadores, responsáveis pelo início da produção comercial por aqui no Pará do século 17. Mas foi no século seguinte, quando o fruto foi levado à Bahia, que a produção saltou para o topo mundial, permanecendo assim até os anos de 1920. Quem produzia, quem lidava diretamente com a terra não chegava a provar o sabor do chocolate. Na época, quase toda a safra das amêndoas de cacau era destinada às exportações.

Mas a queda no preço internacional do cacau e outras mudanças no mercado global tiraram o Brasil da liderança em termos de produção. Além disso, nos anos 1990, a praga da vassoura-de-bruxa arrasou as lavouras baianas e colapsou muitos cacauicultores, que migraram para outros cultivos, como a pecuária, a banana e culturas de subsistência.

Dessa trajetória ficaram algumas lições importantes.Do ponto de vista ambiental, a desistência do cacau levou a uma explosão na degradação da Mata Atlântica no Nordeste brasileiro. Grandes áreas de florestas viraram pasto ou deram lugar a monoculturas. A prática, além de também pressionar e espremer populações indígenas e quilombolas, difere bastante do cultivo de cacau, que era feito em boa parte junto com a floresta.

Nesse sentido, a expansão da atividade cacaueira em monocultura a pleno sol gerou impactos socioambientais bastante negativos.

Após décadas de decadência, o cacau cabruca está voltando a crescer no Brasil, não apenas na Bahia como também na Amazônia, com grande potencial para ajudar na regeneração das florestas.

“É uma atividade que requer longo prazo, mas que nos dá muita satisfação por sabermos que estamos colaborando com a preservação e, ao mesmo tempo, entregando um cacau de alta qualidade, cultivado com a floresta e com diversificação de culturas, como cupuaçu, açaí, guaraná, baunilha, entre outras”, diz o cacauicultor Marc Nüscheler, presidente da CABRUCA, Cooperativa dos Produtores Orgânicos do Sul da Bahia.

 

Cabruca é melhor também para as pessoas

 

Já em relação ao passado escravista das lavouras de cacau, ainda hoje restam marcas a serem cuidadas com atenção e responsabilidade. Um estudo recente da Organização Internacional do Trabalho constatou a presença de crianças e adolescentes manuseando facões em atividades de colheita do cacau e trabalhadores vivendo em condições análogas à escravidão. Mas, diante dos novos arranjos produtivos que vêm sendo criados e fomentados, sobre bases muito mais sustentáveis, esse cenário começa a indicar uma transformação mais que bem-vinda.

“A certificação de produto orgânico, por exemplo, traz uma série de boas práticas, entre elas a obrigatoriedade do registro formal dos trabalhadores. Por isso, todos os nossos 28 cooperados que produzem cacau cabruca contam com funcionários com carteira de trabalho assinada, tudo direitinho”, conta Nüscheler.

Não é de hoje que os empregos no campo são menos valorizados do que o trabalho nas cidades. No setor do cacau também é assim – ao menos, por enquanto. Dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) revelam que o salário médio dos mais de 7,3 mil trabalhadores na agricultura do cacau (sendo 88% deles na Bahia) era de R$ 1.046 em 2019. No mesmo ano, o rendimento médio dos 32,6 mil trabalhadores na indústria cacaueira, concentrados no Sudeste, era quase três vezes maior: R$ 2.926. 

Mas há luz no fim desse túnel. No Brasil, 52,7% das mais de 93,3 mil propriedades rurais produtoras de cacau têm área inferior a dez hectares e mais de 80% são da agricultura familiar, segundo o mais recente Censo Agropecuário, de 2017. Tais características oferecem ao sistema a chance de melhor distribuição de renda e também menor impacto ambiental.

E os novos arranjos produtivos que vêm surgindo na Bahia comprovam isso. O passado escravista, que nunca fez sentido, agora é ainda mais inaceitável porque não dá conta das demandas comerciais dos tempos atuais, que pedem mais responsabilidade ambiental e social, combinadas a critérios mais rigorosos de produção, capazes de resultar em amêndoas de cacau de mais qualidade.

 

O cacau fino como motor de transformações

 

De olho nesse mercado, pequenos produtores têm investido no cacau fino, que requer processos mais trabalhosos, sim, mas oferece também a possibilidade de um retorno financeiro melhor com a venda das amêndoas especiais a fabricantes que se diferenciam no mercado pela qualidade do chocolate e os cuidados socioambientais que mantêm em suas cadeias produtivas. Para ser considerado fino, o cacau precisa passar por uma colheita cuidadosa, sete dias de fermentação, quatro dias de secagem e viragem a pleno sol. 

Quem já está nesse caminho são os produtores Adilson e Maria Anita Almeida, proprietários da Fazenda Nova Esperança, região de Apuarema, Bahia. Filho de cacauicultor que iniciou a atividade nos anos 1970, Adilson reverencia e dá continuidade à produção do pai com grande entusiasmo. Foi ele iniciou as mudanças para a produção de cacau fino – hoje destinada à marca Dengo - que trouxe na esteira melhorias nas relações de trabalho na fazenda. 

“Percebo que na época do meu pai muitos funcionários foram explorados. Mas hoje temos aqui partes da roça que proporcionam a divisão de lucros com eles, outras plantações com frutos compartilhados e todo o equipamento de produção, como cocho e barcaças, ficam disponíveis para o uso dos funcionários”, ele conta, citando o escritor uruguaio Eduardo Galeano: “nós somos o que fazemos, mas somos principalmente o que fazemos para mudar o que somos”.

Além de relações mais dignas de trabalho, há quem experimente também trocas de conhecimento que rendem boas amizades. Vânia da Silva Profeta, dona da Fazenda Sapucaia, na região de Itiúba, Bahia, abandonou a vida na cidade e a carreira de professora em 2014, quando comprou a fazenda pensando em aproveitar o momento de aposentadoria do marido, Jair. 

Na época, encantada com as grandes árvores centenárias presentes ali (sapucaias, jequitibás, eritrinas etc.) ela nem se deu conta do potencial contido nos 45 hectares de cacau preservados em cabruca que integravam aquelas terras. Inicialmente, pensou em mantê-los intactos, sem podas, sem cortes, sem alterações na organização do espaço. “Mas quando descobri a economia cacaueira, fui convencida por Adenilson e Natan [funcionários que se tornaram meeiros] sobre a importância do manejo. Se não fosse por eles, nem sei o que seria da minha vida”, declara.

Com persistência, os dois conseguiram autonomia e comprovaram que era possível manter a floresta viva e produzir ao mesmo tempo, através de um trabalho atencioso e delicado, que potencializou as colheitas e ainda introduziu novas mudas de cacau clonado e a técnica da enxertia. Hoje eles são responsáveis pelos cuidados com toda a roça e pelo processo de produção do cacau fino, dividindo entre eles 50% da renda dos lotes vendidos de cacau. Em 2021, a produção orgânica na fazenda chegou a 600 arrobas de cacau fino, vendidos à Dengo.

Na região de Jaguaquara e Apuarema há outro produtor de cacau, Marcos Pereira Silva, conhecido como John, que fornece suas safras para a mesma marca de chocolates finos. Ele foi pioneiro na produção do cacau fino e percorreu propriedades da região para juntar os produtores em torno da novidade. “No começo foi difícil convencê-los a produzir um cacau muito mais trabalhoso, mas aos poucos fomos formando uma grande rede e hoje eles percebem o resultado satisfatório e os pagamentos justos”, afirma ele.

Atualmente, Marcos administra o recebimento, pesagem, marcação dos lotes e armazenamento do cacau recebido pelos produtores de todo o núcleo Jaguaquara, até o produto ser encaminhado à central da Dengo em Ilhéus. Articulador do grupo, ele não cansa de chamar a atenção para a importância das podas conscientes e da mesclagem de outros frutos com o cacau cabruca, que resultam em alterações no sabor do cacau. “O cacau a pleno sol fica muito castigado, o pessoal diz que só produz bem assim, mas, como dá pra ver por aqui, na cabruca é bom também e o cacau tem mais sabor”, ressalta, animado com planos para um futuro em breve ainda mais próspero.

Conciliar regeneração ambiental com respeito às pessoas tem sido algo cada vez mais frequente nas roças baianas de cabruca. E um exemplo de superação e transformação social vem do Assentamento Dois Riachões, em Ibirapitanga, Sul da Bahia. Pouco mais de 15 anos atrás, os agricultores daquelas terras trabalhavam ganhando R$ 12 por semana e sequer podiam experimentar o cacau. Viviam em condições análogas à escravidão.

Foi através dos movimentos sociais de luta pela terra que as famílias decidiram montar acampamento em uma fazenda abandonada. Após seis anos de muita tensão, eles ocuparam a terra em 2007 e, com a reforma agrária, conseguiram conquistar aquele território de 406 hectares, que hoje é o lar de 150 pessoas. A média salarial reflete bem a transformação: passou de R$ 246, em 2008, para R$ 2 mil, em 2021. Ano passado, a comunidade inaugurou uma fábrica-escola e planeja lançar em breve sua marca própria de chocolate. É soberania alimentar que vem das roças de alimentos e do cacau cultivado com a floresta em pé. 

Na iniciativa privada, a Dengo, por exemplo, vem construindo uma presença transformadora. Suas ações já mudam toda a sua cadeia produtiva e incluem metas ainda mais contundentes para 2030. Uma delas é duplicar a renda de mais de 3.000 produtores de cacau cabruca no Brasil. 

A marca aposta na difusão e promoção de práticas agrícolas que preservam a terra. E paga por cacau de alta qualidade a preços mais justos aos produtores – até 160% mais do que o valor da commodity. A empresa ainda pede a comprovação da frequência escolar das crianças e oferece consultoria técnica a seus fornecedores. O resultado, cá entre nós, tem sabor de um mundo melhor.